
Certa vez ouvi alguém dizer: “Cuidar de um saco de pulgas é mais fácil do que conduzir uma igreja“. Nunca entendi direito essa afirmação e, de fato, nunca consegui encontrar muito sentido nela. Mas consigo muito bem entender a dificuldade de liderar uma igreja. Existem muitas ideias e sugestões, bem como muitos conceitos promissores para liderança, mas no dia-a-dia se mostram ineficazes ou irrelevantes. Isso torna a questão ainda mais importante: o que se espera de mim, como líder na igreja de Cristo?
Quando falamos sobre o avanço do Reino de Deus através de sua igreja, existem algumas coisas que não podemos viver sem, porque o desenvolvimento de igrejas não funciona aleatoriamente. Quer você tenha a imagem bíblica do “ministério pastoral” em sua mente ou seu pensamento contempla o termo moderno de um administrador: a liderança é uma parte importante de todo trabalho da igreja! Boas ferramentas podem ser encontradas em abundância para equipar líderes, porém o mais importante ainda é continuar perguntando o que um líder realmente deve fazer e como fazer. Agora, quando juntamos os desafios da liderança com desentendimentos na comunidade cristã, enfrentaremos tensões muito fortes. Embora gostemos de cantar: “[…] somos corpo, e assim bem ajustados, totalmente ligados, unidos, vivendo em amor […]“, os cristãos são mais unidos quanto ao amor pela divisão, porque discordamos sobre quase tudo. E quando discordamos, as tensões geradas são tão grandes que, geralmente, começamos uma nova igreja. Uma leitura cuidadosa do livro de Atos impressiona em relação à liderança da igreja primitiva nos capítulos 15 e 16. Se quisermos discutir como Jesus estabeleceu a liderança na igreja primitiva, e como essa liderança funcionava, e como as discordâncias eram resolvidas, essa passagem pode ajudar. Ao fazer uma reflexão sobre a importância de bons relacionamentos entre a liderança de uma Igreja para o avanço do Reino de Deus, é preciso observar que os cristãos têm discordado uns dos outros desde o início. Na verdade, o próprio Novo Testamento registra algumas das primeiras tensões que surgiram entre eles. A carta aos Romanos e a de 1 Coríntios mostram que os cristãos discordavam em coisas como comer carne oferecida a ídolos, se devem ou não observar o dia de sábado, se devem comer carne ou ser vegetarianos, e se devem ou não beber vinho. Em Colossos, a igreja sofreu com a controvérsia relacionada ao papel adequado dos anjos, as celebrações da Lua Nova e a dieta adequada para os cristãos espirituais. Em Tessalônica, a igreja estava confusa sobre a Segunda Vinda de Cristo. Em Filipos, houve uma grande luta por poder, razão pela qual a carta de Filipenses contém um apelo tão forte pela unidade. Em Atos 15 temos o primeiro concílio da Igreja. O objetivo desse Concílio era discutir questões doutrinárias relativas a fé e costumes e se originou de um desentendimento que precisou de alinhamento da liderança da igreja primitiva para que, subsequentemente, a Igreja se mantivesse unida. Estou convencido de que o relacionamento entre líderes na igreja primitiva foi uma força motriz por trás do avanço do Reino, e o pode ser ainda hoje.
O que encontramos em Atos 15:
1. Atos 15.2, a liderança da igreja em Antioquia responde a uma crise envolvendo os judaizantes enviando Paulo e Barnabé “para irem a Jerusalém tratar dessa questão com os apóstolos e com os presbíteros“.
2. Atos 15.2, a liderança em Jerusalém é reconhecida como “apóstolos e presbíteros”. “Apóstolos” um termo que remonta a Jesus, mas “presbíteros” é um termo relacionado à liderança da sinagoga, que os primeiros cristãos adotaram como modelo de liderança para si próprios. Portanto, pelo menos neste ponto, a liderança da igreja em Jerusalém é plural e possivelmente de dois tipos diferentes. A igreja em Antioquia reconhece a autoridade da liderança de Jerusalém para tomar decisões e de resolver controvérsias como esta.
3. Atos 15.4, aqueles que dão as boas-vindas a Paulo e Barnabé são descritos como “a igreja, os apóstolos e os presbíteros“.
4. Atos 15.6, os apóstolos e anciãos se reúnem para “considerar” este assunto. Considerar o assunto implicava em ouvir, deliberar e chegar a uma conclusão. Obviamente que aqui temos a implicação de que os apóstolos e os presbíteros estão funcionando como um tipo de “conselho” que possuía algum tipo de autoridade para tomar decisões.
5. Atos 15.7, Pedro se levanta e lembra a todos aqueles que ali estavam reunidos que, anteriormente, Deus havia ordenado que ele pregasse o evangelho aos gentios sem exigir a circuncisão.
6. Atos 15.12 os líderes reunidos ouvem Paulo e Barnabé.
7. Atos 15.13 Tiago, o irmão de Jesus e o apóstolo mais associado à liderança da igreja de Jerusalém, fala após todos terem concluído suas considerações. Esse é o momento onde a reunião parece estar próxima de uma decisão final e oficial, baseado no que foi apresentado.
8. Atos 15.19, Tiago fala da decisão que tomou e coloca a conclusão do conflito em sua primeira forma. (Atos 15.19-21).
9. Atos 15.22, “Então os apóstolos e os presbíteros, com toda a igreja, decidiram escolher alguns dentre eles e enviá-los a Antioquia com Paulo e Barnabé” para entregar pessoalmente uma carta contendo a decisão da liderança reunida da igreja de Jerusalém.
10. Atos 15.23-25 revela que o resultado da conversa contida na carta se refere a uma decisão tomada em conjunto, ao usar termos como “soubemos” e “concordamos“. Além disso, diz que os falsos mestres estão falando sem a autoridade dos apóstolos e dos presbíteros. Atos 15.25 diz que o conselho entrou em “um acordo” e que as decisões apresentadas foram decididas na autoridade de todo o grupo.
11. Atos 15.28, o conselho diz que “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” não fazer nenhuma exigência além das que já haviam sido definidas e que são relembradas nos versículos seguintes.
É difícil evitar a evidência nesta passagem de que o primeiro Concílio da igreja está operando como uma reunião com todos os apóstolos e presbíteros da igreja de Jerusalém. Parece que tudo estava resolvido e os líderes unidos, porém, quando olhamos o final do capítulo 15 de Atos, vemos que Barnabé e Paulo tiveram um desentendimento tão grande que os levou ao afastamento. A luz do conflito entre Paulo e Barnabé, juntamente com o Concílio de Jerusalém, quero fazer algumas considerações sobre princípios de relacionamento na liderança da Igreja.
Mesmo que, como cristãos, adoremos o mesmo Senhor, nem sempre concordamos em todos os pontos.
Isto é uma coisa boa ou uma coisa ruim? Acredito que isso poderia render uma excelente discussão! Na verdade, a maioria das divergências são resultados de opiniões e preferências, não convicções doutrinárias. E muitas pessoas boas veem as coisas de maneira diferente. Cristãos se unem em torno de Jesus Cristo, mas discutem sobre quase tudo o resto.
Em questões de profunda convicção pessoal, nossas divergências às vezes são bastante fortes.
Atos 15.39 nos informa que Paulo e Barnabé tiveram uma forte discordância. Eles não tiveram apenas uma pequena discussão que passou depois de um tempo. Eles discutiram e, quanto mais discutiam, mais furiosos ficavam. Tanto Barnabé quanto Paulo estavam convencidos de que estavam certos! Isso levanta uma questão crítica. Quem estava certo – Barnabé ou Paulo?
Quando há desacordo contínuo, a separação pode ser uma boa opção.
Quando eles não conseguiram chegar a um acordo, restava apenas uma solução. Eles se separaram e seguiram em direções diferentes. Neste ponto, é importante revisarmos o ensino bíblico sobre a unidade. Acho interessante que Paulo – o homem que não queria aceitar João Marcos – escreve mais sobre a unidade da igreja do que qualquer outro no Novo Testamento. Mas de todos os escritos de Paulo, o de Romanos 12.18 me parece bastante relevante para esse ponto: “Façam todo o possível para viver em paz com todos“. Às vezes, a unidade externa não é possível, e isso é difícil para alguns aceitarem. Às vezes, a separação pode ser preferível a discussões e desentendimentos contínuos e intermináveis. Se Paulo e Barnabé não puderam concordar, então talvez nem sempre concordemos também.
Não podemos menosprezar a obra de Deus que, às vezes, avançada por meio de desacordo.
Ao longo da história da igreja, o movimento cristão frequentemente cresceu por meio de divergências. Por exemplo, a Reforma começou com um desacordo sobre indulgências que levou a um desacordo mais profundo sobre a justificação pela fé. Não sou a favor de divisões na igreja, mas Deus é capaz de usar desavenças para fazer avançar a causa de Cristo.
Se uma separação for inevitável, que esse afastamento se dê com respeito, não com rancor.
Rancor denota raiva ou amargura. Acho que há espaço para criticar Paulo e Barnabé neste ponto. Ao que tudo indica, eles foram longe demais em sua discordância. Não é pecado discordar. Não temos que concordar em tudo. Não temos que concordar em todos os detalhes. Mas podemos discordar sem ser desagradáveis. Se há um erro que Paulo e Barnabé cometeram, é que eles podem ter cruzado a linha de uma forte discordância para algo que se tornou muito pessoal. O perigo não é discordar e se afastar, mas cruzar a linha da discordância que é justificável para a raiva e a amargura que são injustificáveis. Percebemos isso quando passamos a atacar a pessoa e não o problema.
Como cristãos, o objetivo final deve ser a reconciliação e a restauração.
Isso não é fácil. Por experiência pessoal, posso dizer que não é fácil restaurar a comunhão com irmãos que foram ofendidos. De volta a Atos 15 e 16, se avançarmos alguns anos, tanto Barnabé quando João Marcos se tornam próximos a Paulo novamente. Paulo achava que João Marcos não era comprometido o suficiente. Sua opinião mudou? Quinze anos se passaram e Paulo está preso em Roma. No final de sua carta aos colossenses, ele acrescenta as seguintes palavras: “Aristarco, meu companheiro de prisão, envia-lhes saudações, bem como Marcos, primo de Barnabé. Vocês receberam instruções a respeito de Marcos, e se ele for visitá-los, recebam-no” (Colossenses 4.10). João Marcos e Paulo não são apenas amigos, mas agora que Paulo está na prisão, quem está cuidando dele é aquele jovem “descomprometido” João Marcos.
É preciso manter firme nossas convicções, mas graciosamente, sabendo que Deus conduz pessoas de formas diferentes.
Que verdade importante para a família de Deus. Ele coloca grande valor à unidade cristã. Devemos nos apegar às nossas convicções, mas em amor. Afinal, nossas convicções podem mudar com o tempo. Aquilo ao qual você se opõe tão fortemente hoje pode, em um contexto diferente, se tornar a coisa mais decisiva para você no futuro. Somos diferentes e tudo bem. Não concordamos em tudo e isso não deve ser um problema. Às vezes, na família de Deus, discordamos fortemente, mas isso não deve ser um problema. Às vezes, vamos discordar a ponto de não podermos mais trabalhar juntos. Isso também não deve ser um problema. Às vezes, vamos seguir caminhos separados e, portanto, também não deve ser visto como problema. Não temos todos que ir para a mesma igreja ou pertencer à mesma denominação ou acreditar da mesma forma em questões controversas. Mas temos que amar uns aos outros. Esse é um mandamento não negociável de Jesus Cristo (João 13.35). Não importa o quanto ou o quão apaixonadamente discordemos, ainda devemos nos amar.
Entre Barnabé e Paulo, quem estava certo? O que é um fator de alívio é que a Bíblia não responde a essa pergunta, e estou profundamente feliz por isso. Da mesma forma, muitos de nossos argumentos terminam da mesma maneira. Quando tudo acaba, haverá momentos em que não teremos certeza de quem estava certo. Enquanto vivermos em um mundo caído, a maioria de nossas divergências terminará assim. Enfrentaremos muitos desacordos na igreja e isso é parte do preço que pagamos por sermos humanos. Mas temos a oportunidade de lidar com nossas divergências de maneira honesta e graciosa, porque conhecemos Jesus Cristo, e Ele faz a diferença.

Frithold Kruger
Teólogo (Fundação Educacional Menonita FIDELIS)
Pós_graduação em Missiologia (FUV – Faculdade Unidade de Vitória)
Muito bom meu irmão… Divergências são inevitáveis, o que não pode acontecer são rancores e mágoas no conflito de opiniões…
Como ouvi a um tempo atrás do pastor Edson Brandalize, (Que foi pra casa) ” opiniões mudam, mas princípios são imutáveis”.